Quem nunca mentiu não vai me entender.E quem nunca aumentou uma história então que jamais poderá
me entender. Eu,no final de semana, menti.
Estava eu passando pela rua sábado, sempre na correria para
não perder a hora do trabalho, quando deparei com uma pequena multidão ao redor
de uma pessoa caída no asfalto. Era uma mulher comum do centro da cidade, meio
gordinha, morena e vestia uma roupa simples, talvez comprada em um daqueles
shoppings populares.
Observando com mais cuidado poderia ser apenas um pequeno atropelamento
sem maiores consequências.
Tinha pressa, não podia parar para ver o que havia
acontecido. À medida que eu ia passando pela rua as pessoas contavam fragmentos
da história que acabara de acontecer.
- Deve ter sido do primeiro edifício.
- Ela estava muito nervosa.
-Caiu para defender a filha.
Três grupos, três fragmentos da mesma história.
Terminou a rua, terminou meu interesse pelo acidente.
Então chega o Domingo com meu passeio pela manhã na praça.
Esperei a semana toda por um dia de folga total: manhã, tarde e noite.
Infelizmente, como tem acontecido habitualmente, amanheceu nublado, cinza, triste.
Os poucos cachorreiros da Praça estavam contaminados com o
clima sombrio. Todos sem assunto. Nem o Lincoln que é "o informado" da praça saiu
pela manhã, ele deixara um vácuo.
Janete, esperançosa por um assunto, pergunta?
-E as novidades?
Puxo pela minha memória e me vem um assunto quente e fascinante para
colocar na roda.
Reconheço que tive certo pudor, uma censura prévia que queria que eu me
calasse.
Mas a questão que tomava conta do meu cérebro era a dificil decisão falar ou não falar.
Mas a questão que tomava conta do meu cérebro era a dificil decisão falar ou não falar.
Falei !!!
-Uma mulher se jogou do prédio para salvar seu bebê!
Virei o centro das atenções.
O assunto começou a ferver.
Todos queriam mais detalhes. Mas fui categórico!
- O que eu sei é que ela pulou do primeiro prédio depois de
gritar muito para salvar a filha. Apenas isto!
Inúmeras perguntas surgiram.
-Ela morreu?
-De que prédio ela pulou?
-A filha também pulou ou caiu?
-Como era esta mulher?
Nisto começou a chegar mais gente e o assunto crescia. Os ouvintes que estavam com telefone começaram a ligar para as pessoas que moravam nos prédios suspeitos. Um deles lembrou que era amigo do porteiro do edifício Grandes Alpes e resolveu visitá-lo para ficar a par do fato trágico.
Nesta hora minha consciência começou a me recriminar, achei
que não deveria ter contado a minha história recortada , montada e adaptada.
Mas já era tarde, meu lado criativo começou
a se divertir e a fantasiar mais o fato inusitado. Incrivelmente, de uma hora
para outra comecei a lembrar dos detalhes, que talvez, por causa do trauma do
acontecido, tivesse esquecido.
-Falaram também que ela era uma socialite muito bonita e junto com ela estava
um vaso Chinês.
-Vaso Chinês?
-O que ela fazia com um vaso Chinês?
- Não sei, mas que o vaso era Chinês... Era!
Os celulares voltaram a serem usados com dados sobre o suicídio
atualizados:
-A mulher era loira e pulou com um vaso Chinês.
Até que Lincoln chegou e se apossou do assunto.
- Gente! O que a vida de vocês mudará por causa deste fato.
Parem de dar tanta atenção a vida, ou melhor, suicídio alheio!
Mas como sempre Lincoln tinha a verdade sobre o assunto:
- A mulher loira, neta de um ex senador, foi enterrada
hoje à tarde ao lado do seu pai. Caiu do 10º andar do
prédio para salvar sua filha adotiva que estava perto da janela segurando o
vaso da dinastia Ming. Este havia sido comprado em uma visita oficial com seu avô, usando dinheiro de propina da privatização de um banco do Estado do Pará.
- Só não se sabe se ela queria salvar a filha ou o vaso chinês.
- Gente, como vocês são desinformados, saiu até na Gazeta do
Povo.
Também minto que sou fluente em francês...
E o Lincoln está de prova.
Otimo!! Compartilhei no Face.
ResponderExcluirAbs.
Gabriel Orléans Bragança
Sensacional!Adorei! é uma crônica e tanto. Será utilizada em minhas aulas sobre crônicas....curitibanas?? Achei legal crônicas curitibanas, assim será o tema.
ResponderExcluirbeijos da sua mãe orgulhosa do filho que tem....escritor agora. Parabéns
Ana Alair